A afirmação de Malcom Forbes de que o “capital estrangeiro é como o vento: só entra onde tem saída” se torna cada vez mais relevante, vez que a internacionalização do mercado comercial brasileiro se deu, em parte, em virtude da janela aberta pela arbitragem. Em 1932, o Brasil ratificou o Protocolo de Genebra de 1923, criando as bases para a aplicação de regras uniformes e globalmente aceitas para o instituto. O desenvolvimento da arbitragem no ordenamento jurídico pátrio acompanhou a entrada de vultuosas quantias, além de se expandir consideravelmente entre a comunidade empresarial nacional, suprindo falhas pontuais do Judiciário, que poderão rapidamente se dissipar caso o Projeto de Lei (PL) n° 3.293, de 2021, seja aprovado e entre em vigor no modo proposto, contribuindo, inclusive, para o agravamento do custo Brasil.
De fato, o referido PL identifica alguns problemas que a comunidade arbitral brasileira enfrenta. Contudo, as soluções propostas violam alguns dos pilares basilares da arbitragem, e terão como potencial consequência a redução dos contratos empresariais domésticos, investimentos estrangeiros diretos e indiretos, assim como de fomento por agências internacionais como FMI, Bird e Eximbank, que condicionam financiamentos à solução de eventuais controvérsias pela arbitragem.
O principal pilar da arbitragem é o princípio da autonomia da vontade das partes, que lhes permite escolher quem vai decidir a sua disputa e qual instituição irá administrar o procedimento, consequentemente sujeitando-se a um corpo de regras às quais as partes têm acesso prévio e ciência de seu conteúdo. Negar essa autonomia é afrontar não só a Constituição Federal, como também a principiologia do Código Civil e da Lei de Liberdade Econômica. Assim, limitar a 10 procedimentos por árbitro não faz sentido, pois as partes podem desejar um bom e diligente árbitro com 20 casos simples e dispensar um com 2 casos complexos.
O segundo problema do referido projeto de lei é a ampliação do standard do dever de revelação do árbitro de “qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência” para “qualquer fato que denote dúvida mínima quanto à sua imparcialidade e independência”.
Ademais, a proposta do PL de simplesmente desconsiderar o dever de averiguação das partes, a hierarquização das regras de impugnação da instituição escolhida e abandonar o atual standard do dever de revelação utilizado por toda a comunidade arbitral em uma seara global.
Por fim, a quebra da regra-geral da confidencialidade do procedimento arbitral nega princípio vigente e viola o princípio da autonomia da vontade das partes, que garante que as partes poderão dispor sob sua preferência no contrato, ou eleger um regulamento de arbitragem institucional que contenha a previsão da publicidade.
A bem da verdade, caso aprovado o projeto como proposto, este não teria o condão de afastar os usuários completamente da arbitragem internacional, mas certamente fragilizaria o instituto da arbitragem no Brasil, levando diversas arbitragens, inclusive as domésticas, ao exterior, até porque permanecem vigentes os tratados firmados pelo Brasil nessa seara.
Em síntese, alguns instrumentos da arbitragem realmente devem ser discutidos e podem ser atualizados, mas nunca sem o devido debate, envolvendo o empresariado, as instituições arbitrais e a academia.
Cláudio Finkelstein é doutor e livre docente pela PUC-SP, mestre pela Universidade de Miami, pós-doutorando pela Universidade Bucerius, de Hamburgo, e coordenador de Direito Econômico Internacional do PPG, da PUC-SP e da área de especialização em arbitragem na mesma universidade
Fonte Internet: Valor Econômico, 29/08/2022
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